Play it again...




LANÇAMENTOS  Apanhado de novidades da free music.
Música criativa em diversas possibilidades.
Ouça, divulgue, compre os discos.





 

Walthamstow Moon (61’ revisited)  ****(*)
Evan Parker/ John Russell/ John Edwards
Byrd Out
Na noite de 17 de novembro de 1961, John Coltrane subiu ao palco do Granada Theatre, em Walthamstow, Londres. Na plateia, estava um então jovem aprendiz na arte do saxofone. Passados 55 anos, mais precisamente em 23 de novembro de 2016, aquele jovem saxofonista – o hoje lendário Evan Parker – retornou ao local com seus parceiros John Russell (guitarra) e John Edwards (baixo) para uma noite de improvisação em homenagem a um de seus ídolos maiores. É dessa noite que sai este Walthamstow Moon (61’ revisited), lançado agora em vinil, em edição limitada de 300 cópias. Com seis temas, o álbum apresenta na plenitude três dos nomes centrais da cena free britânica (ou melhor, global), fazendo música de alta intensidade expressiva. Não se trata, é claro, de uma revisitação a temas de Coltrane: aqui o jogo é o da improvisação livre, por meio da qual Parker tem desenvolvido um pouco do que de mais profundo esta arte pode nos oferecer. Parceiros de muito tempo, os três músicos tocam em sensível harmonia criativa, gestando com suas vozes um todo uno e inseparável. “Saturnine Aspect” (nome que inevitavelmente remete ao último Coltrane) abre o lado B do disco e nos mostra, em um processo de crescente intensidade, um entranhado diálogo entre sax e guitarra, com o baixo intervindo pontualmente, atacando e recuando. Em outro extremo estão a contemplativa “Marvel” e a mais faiscante “Maud” (na qual o baixo de Edwards soa potente como nunca). Ao soprano, Parker encerra o álbum, na faixa-título, mostrando o porquê de se manter como nome central deste instrumento há mais de quatro décadas.    





Cooperative Sound #3  ****(*)
Cooperative Sound
NendoDango Records
Os argentinos Paula Shocron (piano) e Pablo Díaz (bateria) passaram uma temporada em Nova York no ano passado e se reuniram a alguns dos grandes nomes do free local para sessões de inventiva improvisação coletiva. Chamado de Cooperative Sound, a parceria rendeu três álbuns editados pelo selo portenho NendoDango Records. Neste volume 3 é onde a dupla argentina se une ao maior número de parceiros: Daniel Carter (saxes, flauta, trompete), Matt Lavalle (trompete e clarinete baixo), Ras Moshe (tenor e flauta) e Hilliard Greene (baixo) – no volume 1, tocam apenas ao lado de Moshe; e no vol. 2, junto a Carter e Greene. Com apenas uma longa improvisação de 45 minutos, Cooperative Sound #3 é inventividade de alto nível, com grandes oscilações de intensidade, culminando em picos como o que começa lá pelos 15 minutos, com os sopros operando diferentes linhas sobre o piano pulsante de Shocron, desembocando em vivo solo de trompete alguns minutos à frente. Há também momentos em que o tom baixa de forma mais contemplativa, como lá perto dos 30 minutos, com a percussão detalhística e o piano em primeiro plano. Um grande encontro – registrado em 21 de julho de 2016 em estúdio no Brooklyn novaiorquino – que deve ter sido ainda mais empolgante ao vivo.







Invisible Hand  *****
Satoko Fujii
Cortez Sound
A pianista japonesa Satoko Fujii é uma das figuras mais interessantes do piano contemporâneo. Na estrada desde os anos 90, Fujii morou nos EUA e estudou com Paul Bley, tendo em sua extensa discografia registros ao lado de gente como Mark Dresser, Larry Ochs, Elliott Sharp e Tony Malaby. Seu trabalho é mais conhecido por sua Orchestra, além de conduzir também o quarteto “Gato Libre” com seu marido, o trompetista Natsuki Tamura. De volta ao formato solista, com o qual editou três discos anteriormente, a pianista mostra estar em sua mais elevada forma. Invisible Hand é um álbum duplo, captado no clube Cortez, em Mito (Japão), no dia 28 de abril de 2016. O primeiro CD é o mais excitante, com Fujii focada na improvisação livre, usando técnicas expandidas para criar 5 peças realmente desafiadoras, de um lirismo por vezes profundamente tocante (basta ouvir a faixa de abertura, “Thought”, para estar seduzido). No segundo disco, vemos mais sua faceta de compositora, com Fujii explorando outros 5 temas seus, como “Gen Himmel” e “I Know You Don’t Know” (que apareceram também em sua última gravação solística, de 2013), mas sempre de forma inovadora. Provavelmente o grande disco de piano do ano.





Freedom of Peach  ****
Apuh!
Palsrobot Records

Após um álbum em vinil (“Ett”, de 2014) e um em K7 (“TVA”, de 2015), o trio sueco Apuh! lança seu terceiro disco, Freedom of Peach – desta vez em CD. Adrian Sellius (sax), Mats Dimming (baixo) e Hampus Ohman-Frolund (bateria) fizeram este registro durante uma turnê pelos EUA na primavera de 2016. Algo diferente do anterior TVA, Freedom of Peach traz uma atmosfera free jazzística mais latente, como bem atesta “De Tio”, tema que inicia e fecha o registro e remete em sua abertura a algo do universo ayleriano. Na sequência, “Mr MD” alterna o clima, oferendo o prato mais jazzístico do conjunto, com uma melodia cativante ao sax alto. Um clima parecido pode ser vislumbrado em “I wanna be a bird”. O álbum encerra com a extensa “The South Caroline Peaches”, com seus quase dez minutos, mais ligada às vias do free impro. Já estabelecido, este jovem trio traz um ar novo à prestigiosa cena sueca.









Waterscapes  ***(*)
Jorge Nuno/ Blaise Siwula
Creative Sources
O guitarrista português Jorge Nuno, do duo Signs of the Silhouette, tem expandido suas parcerias e agora se alia ao saxofonista norte-americano Blaise Siwula. O álbum, captado em NY, em janeiro de 2016, tem bons momentos mas, por algum motivo, a sintonia fina esperada de um duo, unindo aqui o free impro de Siwula e o psy impro de Nuno, não consegue atingir o equilíbrio de vozes desejado. “Transparent Coral”, que abre o álbum, ilustra bem essa impressão: enquanto Siwula sola livremente, Nuno cria suas características camadas inebriantes; o problema é que muitas vezes parece que as duas linhas não convergem, como se cada um fosse para um lado. “Silent Tsunami”, na sequência, parece melhor integrada, mas não chega a formar um diálogo perfeitamente equilibrado. Os dois se encontraram no palco em algumas oportunidades recentemente, o que pode ter, espera-se, ajudado a ajustar a sintonia entre eles.



Nu  ****(*)
Signs of the Silhouette
Bam Balam
Após a bem-sucedida associação entre Jorge Nuno (guitarra) e João Paulo Entrezede (bateria) – o Signs of the Silhouette – com o baixista Hernani Faustino, que rendeu o sensacional “Spring Grove” (2014), o duo português volta em grande forma. Desta vez, além de Faustino, o Signs of the Silhouette traz outro convidado: o pianista Rodrigo Pinheiro. Nu mostra que o grupo pode explorar horizontes ainda mais amplos, abrindo as fronteiras do psicodelismo que marca suas origens cada vez mais ao universo do free impro – “Tent”, que inicia o álbum, é a síntese deste processo atual. Composto por quarto temas, Nu é uma viagem inebriante e hipnótica, com alguns picos mais quentes (como em “Teme” e “Throw”, marcada por genial solo de piano). Para ser ouvido sem distrações.






Craters  ****
Dead Neanderthals
Consouling Sounds
À dupla formada por Otto Kokke (sax) e René Aquarius (bateria e synth) se une o baixista convidado Maxime Petit, no que resulta em uma sonoridade realmente nova para o explosivo duo holandês. Craters é formado apenas por uma extensa faixa de quase 37 minutos, na qual os vemos explorando mais elementos ligados ao drone e ao noise, criando camadas densas e atordoantes. O extenso e único tema abre com uma longa introdução que ganha corpo lentamente, em um processo que não chega a se desdobrar em outras vias, mantendo um fio condutor preciso em torno do qual modulações e variações de intensidade ocorrem. Nessa altura de sua obra, os Dead Neanderthals parecem cada vez mais distantes das linhas jazzcore que marcavam seus primeiros registros; as novas vias parecem mais complexas, com os papéis de sax e bateria bastante subvertidos, e nos faz perguntar aonde os levarão. Craters sai em edição limitada em CD e vinil, 300 cópias de cada.







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*quem assina: 
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. Também colabora com a revista online portuguesa Jazz.pt.
É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)